sexta-feira, julho 11, 2014

Brasil x Alemanha


POR LUIZ GUILHERME PIVA
Tem gente que não gosta de futebol.
Tem os que são indiferentes.
Os que gostam.
E os que são meramente alucinados por futebol.
Coitados. Desprezo-os.
Nem sei como pode existir gente assim sem sentimentos e sem noção de valores.
Eu sou inteiro feito de futebol! Penso como futebol. Leio como futebol. Ando como se jogasse. Durmo. Amo. Não há distância entre mim e o futebol. Não há duas pessoas, dois sujeitos, muito menos sujeito e objeto. Sou futebol.
Forma e conteúdo, dentro e fora, realidade em si e para si, corpo e alma, pão e vinho, pai-filho-espírito, mãe-feto, carne e sangue.
Não concebo que alguém possa se deixar enganar pela ignorância ou pela prepotência de que futebol é algo externo, ao qual se assiste ou não, de que se gosta ou não, pelo qual se é apaixonado ou não.
Alienados! É o que são.
Eu, ao contrário, só às vezes posso perder consciência e ver em lapsos o que há no mundo que seja alheio e antitético ao futebol , que é pouquíssima coisa – que eu me lembre, só o Everest, o vácuo, a CBF e o Dante.
Mas é rápido. Logo recobro meu ser-estar. Minha ontologia.
É aqui que a coisa pega.
Desde terça-feira não consigo fazer nada nem pensar em nada que não seja o apocalipse do jogo do Brasil.
Perdi existência, desfragmentei-me, duvido da realidade, da concretude de tudo e de todos.
Inverteu-se o quadro. Agora, tudo o que vejo é não-futebol, antifutebol, afutebol. E o que é futebol (eu e tudo o mais) quase não existe. Existe fraco, sombreado, virtual, sob dúvidas cognitivas, filosóficas, existenciais, táteis.
Naquele dia – eu nem posso me lembrar – os alemães vieram pra derrubar. Eu e todas as coisas no meio da realidade a vivenciar a demolição. Era a mim que a tristeza desmontava: cada bola que entrava sangrava meu coração!
E agora, destruído, eu sonambulo, funambulo, deambulo, trêmulo.
Mastigo e grito pra dentro minha mais funda convicção: o Brasil devia era ter posto ainda mais atacantes! – ao contrário do que dizem a filosofia e o senso comum oportunistas do não-futebol.
Que todos fossem pra cima, ao ataque, desde o início, sem zagueiro, sem goleiro, sem volante!
Nada de contenção, preenchimento, linha de quatro, recuo – essas interferências do mundo afutebolístico, antifutebolístico e não-futebolístico no mundo real.
Todos da intermediária alemã pra frente!
Era preciso que o técnico e a torcida gritassem, antes do jogo, no lugar de cantar o hino: pra cima deles! pro ataque! meter gol!
Pra preservarmos o nosso pacto com a realidade. O meu, pelo menos.
E agora fica esse limbo, essa ilusão enevoada e tormentosa que não tem hora pra acabar.
E eu achando que o tempo não andou. Ou que umas engrenagens da vida andaram e outras não.
Que, na verdade, não houve o jogo de terça-feira.
E que, enquanto não ocorrer esse jogo, a Copa não vai acabar.
Mas eu vou.
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Luiz Guilherme Piva lançou “Eram todos camisa dez” (Editora Iluminuras)

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